29 de nov. de 2010

TOLTCHOK



SÁBADO, 27 DE NOVEMBRO DE 2010.

Sejamos maus, mas sejamos diferentes

Por Luísa Valente

SATYROS I
15H - "Toltchock", texto e direção de Andressa Cabral. Livremente inspirado no livro "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess. Elenco: atores da Oficina do Satyros

Abrimos o jornal, ligamos a televisão e nos deparamos com as mesmas cenas, de tempos em tempos: "jovens vândalos" cometem atrocidades assustadoras. Nem tão assustadoras, o que é atroz é também corriqueiro, cotidiano, assunto em rodas por uma noite para depois nunca mais ser lembrado. Ser blasé faz parte do instinto de sobrevivência do homem moderno e, sobretudo, urbano. E assim, vem semanas, passam semanas, as mesmas atrocidades desfilam diante dos nossos olhos para depois entrarem para o hall dos crimes terríveis e esquecidos.

Em "Toltchock", alguns dos espectros desse hall ganham vida e revelam seu aspecto social. Revelam que são mais do que nomes destacados em uma manchete, mais do que uma estatística, mais do que aberrações que a psicologia e a psiquiatria - e outros saberes de poder - buscam entender . São um padrão de comportamento social, socialmente construído.

No encadeamento das cenas, uma sociedade hipócrita, consumista e fútil se revela na figura dos adultos, sobretudo na figura de uma mãe e de uma apresentadora de televisão. O "american way of life" grita e se afirma em cada ação desses adultos.

E então surgem os vândalos, os jovens estupradores, violentos, perversos e sem escrúpulos. Talvez. Mas há um lado social aí que não pode ser ignorado, ao mesmo tempo em que não pode, absolutamente, justificar esses comportamentos que são realmente terríveis.


É na violência que os jovens de "Toltchock" se diferenciam do mundo adulto que repudiam, da falsidade, da alienação. Em um momento, um dos estupradores "goza" coca-cola na cara de uma menina. Expele, por meio de seu sexo-garrafa, um padrão de felicidade que não quer para si, por mais que, para isso, tenha que aniquilar, a todo custo e a todo instante, o outro que não quer ser. Pra quê querer ser bom, pra quê querer se salvar? Sejamos maus, mas sejamos diferentes. "Gozem na boca de vossa genitora", diz uma das prostitutas.


Na peça, vemos o embate do discurso oficial contra o discurso dos excluídos "marginais" da sociedade, o embate entre a polícia e o criminoso. Vemos Foucault e seus jogos de poder, suas relações entre poder e saber (ou melhor, poder-saber) quando a ciência médica tenta curar o criminoso-mor da história usando do mesmo grau de crueldade que conduzia seus delitos. Ollho por olho, dente por dente, tudo dentro dos conformes da lei. A lógica da perversidade também governa a racionalidade da ciência. Mais uma vez: pra quê querer ser bom? Talvez a pergunta seja: afinal, quem é bom?


Antes de começar a peça, a diretora avisa a platéia lotada: "o que vocês vão ver agora é um exercício cênico de aproximadamente 50 minutos". O que vemos supera as expectativas de um simples exercício. O que acabamos por ver é um embrião já bem formado de uma peça, com soluções cênicas engenhosas, garra, e atores que muitas vezes surpreendem - o elenco é formado pelos alunos de uma oficina dos Satyros, ministrada durante um ano pela diretora, Andressa Cabral. Um exercício-peça bonito de se ver.


Fonte: http://antroexpostodialogos.blogspot.com/

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