10 de dez. de 2014

A cerimônia do adeus

A primeira vez que eu me apaixonei eu tinha 6 anos. O nome dela era Julie Angulo (pronunciava-se julí angulô). Diziam que ela era superdotada. Chegou no nosso ano porque tinha pulado o ano anterior. Por ser um ano mais nova, era do meu tamanho.

Só passou um ano entre nós mortais – logo pulou de ano outra vez e disparou como uma flecha em direção ao futuro. Acho que ela fez a escola inteira assim, brincando de amarelinha com o tempo. Eu, que fiquei preso no meu ano pra sempre, às vezes me pergunto onde ela está, se continua pulando os anos da vida e hoje em dia é bisavó, ou se escolheu um ano bom e resolveu ficar por lá.

Aos 8 anos, me apaixonei por Fanny Moffette (pronuncia-se fani moféte). Ela era canadense e tinha os cabelos brancos de tão amarelos e olhos cinzas de tão azuis. Tinha uns dez centímetros a mais que eu – dez centímetros aos 8 anos equivale a 80 centímetros hoje em dia.

Um dia, descobriram que eu gostava dela. Começaram a cantar a velha canção, se é que se pode chamá-la assim, posto que só tem uma nota: “tá namoran-do, tá namoran-do”.

Ela teve uma reação, digamos, inusitada: pegou a minha cabeça e começou a bater com ela no chão pra provar que a gente não estava namorando, que a gente nunca tinha namorado, que a gente nunca iria namorar. Gritava: “nunca, nunca” , enquanto batia com minha cabeça no chão. As pessoas riam. Até que perceberam que a minha testa começou a sangrar.

Aos 11 anos me apaixonei pela Alice. Ficamos meio amigos numa época em que a amizade entre meninos e meninas era tão rara quanto israelenses e palestinos. Alice me contava, não por sadismo, mas por ignorância, dos garotos que ela achava “gatos”. Um dia, me disse que tinha dado o primeiro beijo. Dei um abraço nela, “parabéns!”, e acho que fui chorar no banheiro.

“A vida é uma longa despedida de tudo aquilo que a gente ama”, meu pai sempre repete (mas a frase é de Victor Hugo). Todos os amores terminam – alguns amigavelmente, chorando no banheiro, outros com humilhação pública e sangue na testa, outros com a morte. “Para isso temos braços longos, para os adeuses.”
Alice se casou e eu estava lá, felizão. Fanny veio me pedir desculpas pelas porradas na cabeça. Somos muito amigos – no Facebook.

Tem uma hora - e dizem que essa hora sempre chega – que para de doer. A parte chata é que, até parar de doer, parece que não vai parar de doer nunca.

“Nunca! Nunca!” gritava a Fanny.



Gregório Duvivier. Folha de São Paulo. 08/12/2014.

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